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Pra dizer que falei das flores

Enviado por Guto em 16/05/2010 às 10:44 AM


Para quem não vive sem carros de luxo, ar condicionado e vinho francês, Myanmar definitivamente não deve fazer parte de um roteiro de viagem. Para quem faz uma visita despretensiosa, faz toda a diferença. Myanmar, ou antiga colônia do Império Britânico conhecida como Birmânia (Burma) – recentemente o país rebatizou seu nome para Myanmar, seguindo o que fez a Índia com as cidades de Mumbai, Chennai e Kolkata. Hoje Myanmar conta com mais de 55 milhões de habitantes encravados entre a Índia, Bangladesh, China, Laos e Tailândia. A riqueza histórica e paisagens margeiam o Rio Ayeyarwady, que praticamente corta o país inteiro. 90% da população segue o Budismo Theravada, mais rigoroso que o Mahayana Tibetano e Japonês, e são devotos de espíritos animistas (espíritos locais que evocam proteção de pessoas e locais, geralmente relacionados a lugares naturais como lagos, montanhas e rios), conhecidos localmente como nats.

O país conquistou a independência dos ingleses praticamente junto com a Índia e, desde então, vive governado por uma junta militar. Com mais de 100 grupos étnicos diferentes, Myanmar nunca experimentou um período de paz prolongado em sua história. Mesmo durante a ocupação britânica, possuía o maior índice de marginalidade do Império. A independência foi negociada e conquistada por um herói nacional – General Aung San, assassinado aos 32 anos por dissidentes. A beira do caos, desgovernado e sentindo a ausência de seu principal líder, o país foi dominado de forma definitiva pelos militares. A filha de Aung San, Suu Kyi (chamada carinhosamente de “lady” pelo povo local) tenta há mais de 20 anos levar a democracia ao país. Por enquanto em vão, a ganhadora do premio Nobel da Paz em 1991 articula, de sua prisão domiciliar em Yangon, alternativas para um pleito democrático. Ironicamente, seu partido político acaba de ser descredenciado para as eleições que acontecerão ainda este ano. Segundo alguns indicativos, uma manobra para uma eleição que será um verdadeiro show de marionetes camufladas.   

Não fosse esses problemas de liberdade de expressão, não duvidamos que o país seria um importante destaque turístico do sudeste asiático. Aliás, esse é um ponto importante que gostaríamos de colocar: Porque “furar” o boicote ao turismo imposto por ativistas e visitar Myanmar?

Em primeiro lugar, simplesmente porque não acreditamos que boicotes sejam eficientes. Historicamente, as transições de regimes constitucionais rumo à democracia, que seja, dependem muito mais da identidade interna do que fatores ou medidas reguladoras externas. Em outras palavras, o próprio povo de Myanmar será o principal responsável por qualquer mudança definitiva.  Mais importante, as transições precisam ser graduais, pois envolvem muitos interesses conflitantes. Imaginem o general Ernesto Geisel entregando o governo para um torneiro mecânico em 1979? Pouco provável. Assim como foi impossível passar o bastão em Yangon para a lady Suu Kyi que arrasou os generais nas urnas em 1990.   

Um segundo ponto importante, para os que ainda acreditam que o boicote turístico pode funcionar, é a base econômica que os generais administram nos jardins vizinhos.

Apesar das sanções impostas pelos americanos e europeus às diversas indústrias como forma de retaliação, a líder regional China com sua política de “Não se mete no meu que eu não meto no seu” possui interesses econômicos que vão além das pedras preciosas, óleo e gás dos birmaneses.  Myanmar possui localização estratégica, com importante logística de saída para o Mar de Andaman. Contribuindo ainda mais para os cofres dos milicos, Índia e Tailândia também atam-se em relacionamentos econômicos importantes. Isso faz da atual receita proveniente do turismo irrelevante, para não dizer ridícula. Ok, mas esse ponto não perde consistência a partir do momento que mais pessoas visitam o país e tornam a conta do turismo relevante? Sim, fato. Ao mesmo tempo em que a não interação com os locais tenderiam a deixá-los cada vez mais isolados. A troca de informação é imprescindível para qualquer movimentação definitiva em direção à conquista da soberania individual.

Apesar de tentarmos minimizar ao máximo a quantidade do nosso dinheiro direcionado ao governo e não sabermos exatamente a relação que cada pessoa que encontramos pelo país tem com o “Big Boss”, temos certeza que beneficiamos dezenas de famílias, centenas de pessoas. Ficamos exatos 10 dias em Myanmar e calculamos que de cada USD 1,00 que pagamos em taxas e impostos indiretos para o governo, colocamos mais USD 8,00 na economia real, dormindo em pequenos hotéis particulares, voando em companhia aérea privada, comendo em restaurantes familiares, comprando em supermercados de bairro, barracas de rua, prestigiando os artesões locais, utilizando os serviços de barqueiros, carroceiros, motoristas de taxi.

Aos ativistas pró-boicote, fica a sugestão de uma mobilização menos passiva de simplesmente deixar de visitar um país e esquecer as pessoas que lá dentro vivem. Quem sabe um movimento mais alinhado entre as diversas organizações ativistas e os governantes mais influentes na região poderia ser mais eficaz. Todos os sorrisos que recebemos aqui, agradecem.


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